Precisamos (re)pensar no tema violência

A história começa (sempre) assim. Peço já que repare quando isso acontecer novamente. Sim. História como essa que eu aqui contarei acontecerá novamente. Hoje, tratarei do Caso DJ Ivis, mas poderia ser também do Joãozinho, do Luizinho, do Zezinho..

A história começa assim: uma notícia divulgada pela mídia: uol, Folha de São Paulo, instagram, facebook, whatsapp (vou parar por aqui). Hoje em dia não conseguimos mais apontar para uma única mídia. Tudo acontece rapidamente e ao mesmo tempo. E calma que não é qualquer notícia. É uma notícia com um grande poder de captação da nossa atenção, pois traz uma informação capaz de despertar e acionar nossos sentimentos mais fortes. Indignação, dor, medo, raiva, ânsia por justiça, alegria. Nossa resposta, então, é instantânea, talvez até automática.

Neste nosso caso, foram divulgadas as agressões que a mulher do DJ Ivis vinha sofrendo ao longo do tempo. A mídia tinha então dois verdadeiros potes de ouro. O primeiro, a pauta violência doméstica, que nunca deve deixar de ser, até que, claro, esse problema social seja resolvido. O segundo pote, as agressões não só foram relatadas, como havia imagens de vídeo. Pronto, o suficiente para captar nossa atenção.

Antes de continuar, preciso dizer aqui que é necessário sim darmos atenção a esse tipo de acontecimento. A violência jamais pode ser banalizada ou atenuada, muito menos a doméstica, contra as mulheres.

Mas vamos lá. Estou contando uma história e o primeiro capítulo termina justamente com todos os olhares direcionados ao que foi chamado de Caso DJ Ivis. A partir daqui estaremos entrando no segundo capítulo da história.

Depois da ocorrência de um fato que tem repercussão criminal, como este,  independentemente da população tomar ciência, as autoridades competentes devem dar os encaminhamentos legais. Porém, em casos midiáticos, ocorre uma verdadeira confusão entre o direcionamento dado pela lei e o direcionamento que a opinião popular que ver acontecer. Essa confusão, infelizmente, é a regra, de modo que quase sempre os encaminhamentos legais sucumbem às forças externas e que deveriam estar distantes de todo e qualquer processo.

Mas de qual encaminhamento estamos falando afinal? Bem, da notícia deste possível crime, os fatos precisarão ser naturalmente investigados pela polícia. Então, até uma decisão condenatória definitiva (leia-se, transitada em julgado), todos, vou repetir, todos, são inocentes.

Quer dizer então que até lá ninguém poderá ser preso? Não é bem assim. Tecnicamente, há possibilidade de alguém ser preso sem que exista essa decisão final, porém, somente se a liberdade do suspeito trouxer concretamente risco ao bom andamento do processo ou das investigações, se essa mesma liberdade trouxer prejuízos concretos à aplicação da lei penal e, se, nos casos específicos de violência doméstica, essa prisão precisar realmente ser utilizada para garantir a execução de medidas de proteção deferidas anteriormente em favor da vítima. Aqui, salvo engano meu – e se estiver errado, peço todas as desculpas do mundo – não houve medida protetiva descumprida. Portanto, ao meu sentir, a prisão de Iverson de Souza Araujo, o DJ Ivis, não encontrou suporte legal. Longe disso.

E por que foi preso então? A partir dessa pergunta poderíamos iniciar uma nova – e longa – discussão sobre aquilo que chamamos de processo penal do espetáculo ou processo penal midiático. Não vou entrar nessa seara. Não hoje. Para não cansar você, preciso só destacar que o segundo capítulo termina aqui e assim, geralmente com uma medida extrema, sem amparo legal, no caso, a prisão.

O terceiro capítulo acontece em paralelo ao segundo. Após a divulgação da notícia e ao mesmo tempo dos trâmites processuais legais que visam apurar os fatos, há um autêntico linchamento verbal do suspeito. Apenas para fins exemplificativos, veiculada no dia 19/07/2021 pela plataforma uol, enquanto a notícia trazia aquela típica foto de identificação de suspeitos em delegacia (de frente, de perfil, de costas), com Iverson ainda com cabelo totalmente raspado, a manchete trazia a seguinte chamada: ‘DJ Ivis é acusado de tentativa de homicídio e considerado um perigo para a sociedade’. Habemus inimigo público. Termina aqui este capítulo.

Finalmente, entremos no último capítulo dessa história. O tempo vai passar. Não falo de anos. Falo de dias. No máximo, semanas. Com o excesso de novas noticias – muitas delas iguais -, o Caso DJ Ivis vai perder a atenção do público e a mídia vai aos poucos noticiando cada vez menos sobre o fato. Momento então para atenuar aquela medida exagerada imposta. Sim. A prisão preventiva será revogada – até a data desse texto isso ainda não aconteceu. Quando isso acontecer, haverá sim críticas, mas menos quando da divulgação das imagens das agressões. Depois disso, esse caso perderá atenção definitivamente.

A história termina aqui, mas sem um final adequado. Histórias como essa sempre terminam sem esse necessário final. Foram quatro capítulos e nenhum deles enfrentou a pauta violência doméstica. Essa violência acaba sendo apenas um chamariz da audiência. Foram quatro capítulos e nada foi pensado e dito acerca de medidas que concretamente podem reduzir a violência contra a mulher, sobretudo no âmbito doméstico. Foram quatro capítulos e nada foi pensado e dito sobre redes de proteção à mulher, rede essa que precisa incluir necessariamente a vítima, o agressor, a família de ambos, a comunidade e, claro, os órgãos públicos. Foram quatro capítulos e nada se questionou sobre a efetividade das medidas que estão sendo adotadas prioritariamente quando da violência doméstica. Foram quatro capítulos e o problema que se perpetua no tempo não foi enfrentado em sua gênese. Nada foi falado de conscientização. Foi, sim, apenas fomentado o ódio, a raiva e a punição.

É algo para se pensar, até porque, se gentileza gera gentileza, penso que violência gerará sempre igual violência.

Foi um prazer.

t.s

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